Suíça
A Suíça é com certeza nosso destino favorito. O topo dos Alpes é um dos lugares mais sublimes onde já estivemos, sem falar dos lagos belíssimos que tivemos a chance de visitar. Fomos no início da primavera, quando as flores começam a desabrochar no chão. Conforme descemos as montanhas, casas de madeira e pedra aparecem pouco a pouco na grama verde das fazendas até formarem vilas sensacionais. Essa paisagem de Heidi, que L. amou ler, é uma das coisas mais belas que já vimos na vida. A inspiração vem de Graubünden, o maior cantão da Suíça, onde se falam três das quatro línguas oficiais do país: alemão, romanesco e italiano. Mais especificamente a cidade de Maienfeld, onde a vila da menina dos Alpes pode ser visitada.
Para quem gosta, ali perto também fica o museu de Greisinger, a casa do Hobbit. Por falar nisso, a vila que mais gostamos é Lauterbrunnen, um lugar fantástico que inspirou a Valfenda de Tolkien. A cidadezinha é ladeada por dois paredões gigantescos repletos de cachoeiras. A mais impressionante é a de Staubbach, que à certa distância parece que cai logo atrás dos hotéis. Conforme prosseguimos, mais cachoeiras apareciam. Havia um cheiro de fazenda no ar e a grama verde estava por todos os lados, até nos telhados. No horizonte estavam os Alpes Bernenses, mais especificamente três picos: Eiger, Mönch, e o Jungfrau, embora o mais alto nessa faixa dos Alpes seja o Finsteraarhorn. O topo dessas montanhas é fabuloso – tem até um palácio de gelo lá em cima. Achamos o pico do First mais ameno em Grindelwald, uma das vilas aos pés das montanhas. Havia neve por toda a parte, de doer os olhos, mas a paisagem era um colírio.
As temperaturas baixas mantêm gigantescas geleiras lá em cima. Pequenas partículas de gelo são a razão da água da Suíça ser tão azul. A maioria dos principais rios nascem ali perto, no Maciço de Gotardo, uma região montanhosa que é conhecida como "a caixa d’água da Europa". Dali os rios saem para todas as direções pelo continente, criando cachoeiras, desfiladeiros e lagos impressionantes. Descobri que seguir o curso desses rios é uma ótima forma para conhecer esse país tão rico: o Reno, o Ródano, o Ticino e o Aare.
Vou começar pelo Ródano. O rio segue inicialmente para o leste e sobe a fronteira com Liechtenstein, Áustria e a Alemanha, até deixar o território de vez em Basel (ou Basileia), na tríplice fronteira com a França. Antes de chegar ali, produz as Cataratas do Reno, as maiores da Europa, e forma o lago de Konstanz. Foi ali onde o pré-reformador Hus e também Jerônimo de Praga foram executados. Mas essa história faz parte das nossas viagens pela Alemanha, que compartilha um estranho limite territorial nesses lugares.
Basel teve um importante papel para a Reforma. A cidade era foco do Humanismo Renascentista. Até hoje encontramos pinturas renascentistas nas paredes vermelhas da prefeitura. Antes também havia ali pinturas de Holbein, importante artista da Reforma cujas obras podem ser vistas no Kunstmuseum, o museu mais importante do país. Basal é a capital cultural da Suíça desde muito tempo. Os eruditos que passaram pela Universidade de Basel passaram a estudar a Bíblia nas fontes originais, o que trouxe luz sobre muitas coisas no contexto religioso do século 16. Quem passou por ali foi o humanista mais conhecido, Erasmo de Roterdã, que viveu os últimos momentos da sua vida em Basileia. Foi professor na Universidade de Basileia, atual Alte Universität, onde influenciou muitas pessoas, inclusive reformadores, embora ele mesmo fosse mais a favor de uma reforma interna. Está sepultado na catedral da cidade, uma enorme catedral de tijolos avermelhados, como é comum na região rio acima.
Ulrico Zuínglio, o terceiro nome da Reforma, recebeu certa influência de Erasmo. O reformador nasceu em uma daquelas casas de madeira e pedra (onde hoje fica o museu Zwingli-Geburtshaus) em Wildhaus, perto da atual fronteira com Lichtenstein, por onde o Reno passa. Aos seis anos, foi morar com seu tio na igreja de Bühlkirche, às margens do lago Walensee, onde provavelmente deu os primeiros passos na carreira eclesiástica. Esse lago é um dos vários da região que são drenados para o Reno. Destacaria os lagos de Zug e o de Lucerna, que é gigantesco. Lucerna é uma cidade muito bonita, com igrejas, torres e pontes medievais. Lugares como esse inspiram escritores como Mark Twain, que jamais encontrou uma escultura tão comovente como o monumento de Löwendenkmal. A ponte de Spreuerbrücke sobre o Reuss, que data do século 15, chamou muito nossa atenção pela arte renascentista ilustrando a Dança da Morte.
A peste negra quase tirou a vida de Zuínglio em 1519, ocasião em que escreveu o Hino da Peste. Foi nesse ano em que ele se tornou ministro em Zurique, passando a pregar expositivamente o evangelho de Mateus e depois todo o Novo Testamento. Era na Grossmunster onde Zuínglio pregava, uma catedral em estilo romanesco bem no centro histórico da cidade, com portas que gravam a sua história. Heinrich Bullinger, esculpido na parede externa, foi seu sucessor depois que morreu em batalha contra os católicos. Encontramos um monumento em sua homenagem atrás da Wasserkirche.
Zurique não é a capital oficial da Suíça, mas é o centro urbano mais importante. Os edifícios históricos estão concentrados às margens do rio Limmat, que drena o Lago de Zurique. Da rua principal, Bahnhofstrasse, passamos pela decorada Augustinergasse até o elevado de Lindenhof, de onde vimos toda a cidade. Fizemos um passeio de barco pelas águas translúcidas do Limmat. Em uma das margens, visitamos uma fábrica de chocolate que tem tudo a ver com a nossa história, o Lindt Home of Chocolate. Para encurtar a história, ela teve uma séria alergia ao chocolate quando criança. Um dia ganhou um bombom Lindt de presente, e descobriu que já estava livre do problema. Dei aqueles bombons de presente para ela uma vez, o que rendeu cochichos entre os amigos. Ainda estávamos nos conhecendo, mas isso ela guarda com carinho no coração até hoje. Era Páscoa quando visitamos a Suíça, não podia ter sido melhor.
Outro rio dos Alpes que formam dois lagos incríveis é o Aare. Nasce também no Maciço de Gotardo, mas vai para o norte. A primeira parada é a vila de Handegg, ainda em alta altitude, onde fica o Gelmerbahn, o funicular mais íngreme do mundo, e a Handeggfallbrücke, uma ponte suspensa com vista paradisíaca. O rio então desce o vale formando o desfiladeiro de Aareschlucht, perto de Meiringen. Esse lugar inspirou a luta final de Holmes e Moriarty de Sir Arthur Conan Doyle, razão pela qual existe um museu dedicado a Sherlock na cidade. Os dois enormes lagos que o Aare formam são o Thunersee e o Brienzersee. As cidades de Thun e Brienz, que dão nome aos lagos, são uma viagem no tempo, com as casas de madeira e pedra em Brienz (especialmente na Brunngasse) e os castelos de Thun (especialmente o Oberhofen). Essa região é cheia de excelentes hotéis para se hospedar, achamos nossa hospedagem sensacional. Nós ficamos bem no meio em Interlaken, literalmente, "entre lagos". Caminhar pela Höheweg é muito relaxante, mas nada como passear à beira dos lagos. Ainda conhecemos duas jóias escondidas ali perto: o lago de Blausee e, depois de uma trilha desafiadora, o lago de Oeschinensee.
O Aare continua até passar por Bern, a capital do país. Contorna um monte onde fica o centro histórico, cheio de relíquias medievais, patrimônio da humanidade. Na rua principal, separada por grandes torres, vimos várias fontes renascentistas coloridas. Ali perto fica a Catedral de Berna, a catedral mais alta da Suíça onde as Dez Conclusões de Berna foram aprovadas, um importante documento para a história da igreja. Atrás da catedral, a vista da cidade é magnífica, assim como atrás do Parlamento. De frente para a fachada onde lemos Confoederationis Helveticae (CH) – o nome oficial do país. As crianças brincavam nas fontes do chão. A gente escolheu um sorvete para lidar com o calor, ali perto do Bärengraben, residência dos ursos, símbolo da cidade. Mas o melhor foi o que vimos da ponte sobre o Aare: pessoas descendo na correnteza do rio. Dali subimos para o Rosengarten, um jardim elevado com um bom restaurante com vista para toda a cidade.
O rio Aare segue curso até se juntar ao Reno, mas não antes de receber as águas que descem do Jura, as montanhas ao norte. Um grande lago é formado em Neuchâtel, cidade onde o reformador William Farel se estabeleceu, hoje lembrado em monumento na Igreja Colegiada. Ele contribuiu para que a Reforma Suíça se expandisse de Zurique para o resto do país, principalmente em Genebra. Farel foi membro do Cénacle de Meaux, um grupo de humanistas perto de Paris. Depois que o rei da França iniciou uma severa perseguição contra os protestantes, Farel e Calvino fugiram para a Suíça. Inicialmente Farel foi para Genebra e Calvino para Basileia, mas pela providência divina Calvino foi para Genebra, onde foi convencido por Farel a ficar, para depois se tornar o líder espiritual da cidade.
Genebra é a porta de saída do Ródano para a França. O rio também nasce no coração dos Alpes, mas segue para o oeste até formar o Lago Lemano. As cidades ao redor formam uma importante região metropolitana no Mittelland suíço, incluindo Lausanne, onde Billy Graham e John Stott deram início ao conhecido movimento de evangelização mundial. Mas a compacta metrópole de Genebra nem parece ser a segunda maior cidade da Suíça. Achamos tudo muito sereno e tranquilo, exatamente o que se esperaria da capital mundial da paz. A cidade fica no final do Lemano, no Lago de Genebra. As margens são muito verdes, com belos parques e jardins, como o Jardim Inglês – que são os melhores – e o relógio de flores. No pacato centro histórico, conhecemos um pouco da história do que já foi a “Roma Protestante”. Ali fica o Museu Internacional da Reforma, ao lado da Catedral de Saint Pierre, onde João Calvino foi ministro.
Calvino foi o líder espiritual da cidade, sucedido por Teodoro de Beza, sepultado na catedral. Enterrado em cova anônima no Cimetière des Rois, provavelmente rejeitaria o termo "calvinismo". O reformador acolheu muitas vítimas da perseguição aos protestantes, como John Knox, Reformador da Escócia, e William Whittingham, tradutor da Bíblia de Genebra. Farel, Calvino, Beza e Knox são lembrados no Muro dos Reformadores, além de alguns outros nomes que ajudaram a espalhar a Reforma pela Europa.
Existe uma área verde muito agradável por ali. Também gostamos muito do Quai du Mont-Blanc. Do Jardim Inglês, atravessamos uma longa ponte admirando o lago e caminhamos pela margem para ver o icônico jato d'água da cidade sob o céu azul, que clareava o fundo do lago de água translúcida. A Suíça é realmente bela, no campo e na cidade, no alto das montanhas e no fundo dos lagos. Mas a verdade é que, sem ela, nem a Suíça teria a menor graça.