Me The Works of Wellyson Freitas

França

O amor não está no ar de Paris, levamos de casa mesmo. Já li em algum lugar que muita gente sofre de uma Síndrome de Paris ao descobrir que a cidade nem era lá aquelas coisas que todo mundo falava. É verdade, depois da terceira vez nosso interesse permanece em uma parte de Paris que é mais a nossa cara. Ainda assim, o romance é a gente quem faz.

Eu tive a chance de fotografar a Dama de Ferro com ela. É a coisa mais bonita do mundo. Estou falando dela, claro. Depois de passar um tempo nos jardins ao redor, descemos o Sena caminhando pelas margens. Flanar por Paris é, na verdade, a melhor forma de conhecer a cidade. Apesar de alguma sujeira aqui e ali, tem algo de muito belo em Paris, a começar pela arquitetura. Muito da aparência da cidade é trabalho de Haussmann, que abriu boulevards por todas as direções – nada menos do que doze vias irradiam do Arco do Triunfo. Eu gosto demais de mapas e não pude deixar de notar os rabiscos que isso deixou no mapa de Paris.

Existe um elegante padrão nas fachadas, mas apesar disso a variedade de estilos é surpreendente. Um dos lugares mais ecléticos é o Palais Garnier, em cujo interior encontramos uma decoração propositalmente exagerada. No lado de fora, no terraço da Lafayette Haussmann, vimos como o palácio se distingue da cidade, inspiração do Theatro Municipal de São Paulo.

Um dos estilos mais presentes em Paris é o Art Nouveau. O domo da galeria é uma de várias estruturas de ferro e vidro na cidade que copiam formas orgânicas, como as asas de um inseto. Muitas dessas construções tiveram origem nas feiras internacionais durante a Belle Époque. A intenção era expor todo o progresso científico e tecnológico alcançado no período. Assim surgiram a Torre Eiffel, o Petit e o Grand Palais, e a Ponte Alexandre III, a ponte mais extravagante sobre o Sena.

A estação das Abbesses é outro exemplar. Pegamos o metrô para chegar em Montmartre, no ponto mais alto da cidade onde está a Basílica de Sacré-Cœur – o que é bom saber antes de sair pelas intermináveis escadas como nós fizemos uma vez. Os arrondissements de Paris são únicos, mas gostamos bastante desse pequeno bairro. Depois de recuperar o fôlego no Muro do Amor, encontramos pequenos estabelecimentos excelentes para comer e arte en plein air, concentrada na Place du Tertre, já frequentado por artistas como Van Gogh. O Latin Quarter, do outro lado do Sena, na rive gauche, é o bairro dos livros. Ali encontramos bibliotecas e livrarias como a Shakespeare & Company acompanhadas de ótimos lugares para ler, como as cadeiras verdes do Jardim do Luxemburgo. No Panteão, perto da Biblioteca de Sainte-Geneviève, descansam Victor Hugo, Dumas, Zola, além de Voltaire, o filósofo iluminista.

Esse lugar teve um papel importante na Reforma Protestante, mas não por causa do Iluminismo, como se costuma pensar. Ali fica a Universidade de Paris, a Sorbonne, onde o Humanismo e o retorno às fontes originais exerceu influência sobre João Calvino. O reformador, que nasceu em Noyon, viveu um bom tempo pelas redondezas, que hoje inclui até uma rua com seu nome. Foi em 1533 quando Nicolas Cop, amigo de Calvino, fez seu corajoso discurso de posse da reitoria defendendo as ideias de Lutero. Foi prontamente acusado de heresia e teve que fugir para Basileia. Os teólogos da Sorbonne não gostavam desses humanistas desde Meaux, a nordeste de Paris.

O Cercle de Meaux era um pequeno grupo liderado por Briçonnet e frequentado por Jacques Lefèvre d'Étaples, William Farel, e Margarida de Navarra, irmã mais velha do Rei Francis I. Se não fosse Margarida, os estudos humanistas não teriam continuado com a fundação do College Royal, atual College de France. O humanismo foi parte do que os franceses mais tarde chamariam de Renaissance, entre o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna. Foi Francis I, e com ele Margarida, patronos das artes, que importaram a Renascença da Itália, principalmente na pessoa de Leonardo da Vinci, que trouxe a Mona Lisa com ele.

Deve ser a peça mais visitada do Louvre, disputada com a Vênus de Milo. Dedicamos nossa atenção a artefatos como o Código de Hamurabi e a Pedra Moabita, relacionadas às Escrituras. O próprio Louvre é uma obra de arte, da pirâmide ao interior renascentista. Francis I construiu castelos renascentistas espetaculares ao longo do Vale do Loire, como o de Chambord. Mas o que nos interessa é o Castelo de d'Amboise. Essa era uma das residências favoritas de Francis I, onde Da Vinci foi convidado a morar -- e está sepultado na Capela de Saint-Hubert. Uma vez ali, em 1534, protestantes colaram um cartaz anticatólico na porta do quarto de Francis I. Sua tolerância acabou com a audácia do Caso dos Cartazes, e houve perseguição religiosa na França por muito tempo. Calvino e Farel fugiram para a Suíça, mas muitos huguenotes, e com eles os valdenses, foram perseguidos.

Primeiro, houve o Massacre de Mérindol. As gerações seguintes viveram as terríveis Guerras Religiosas Francesas, que começou depois Conspiração de Amboise em 1562 e teve uma pausa com o Édito de Nantes em 1598. Ainda ocorreram revoltas dos huguenotes, sem falar da guerra entre saboianos e valdenses. Para piorar, Luís XIV assinou o Édito de Fontainebleau em 1685, que condenou de vez o protestantismo. O rei, que se via com poderes divinos, gozava do endosso católico. Ficamos absortos com toda a riqueza e poder do Castelo de Versalhes.

A relação entre a monarquia francesa e a Igreja Católica era antiga, mas nem sempre harmoniosa, como quando o rei da França manteve o papado preso em Avinhão, no Cativeiro Babilônico da Igreja, fazendo com que existissem até três papas disputando o poder ao mesmo tempo. Com a morte de Jean Calas em Toulouse em 1762, Voltaire começaram a discutir a tolerância religiosa. Naquele momento a Revolução Francesa já despontava.

Luís XIV, que se autodenominou Deus Sol, construiu o Château de Versailles para se tornar a residência dos reis da França depois do Louvre. Talvez esse seja o lugar mais extravagante que já conhecemos. O interior em estilo barroco, como na Galeria dos Espelhos, é luxuoso e ostensivo. Do lado de fora, o exagero é nos jardins. As fontes que encontrávamos nos vários bosques do gigantesco labirinto verde “dançavam” conforme a música, que vinha das enormes cercas vivas. No Jardim Inglês – que aliás são sempre os melhores – encontramos o Templo do Amor, um lugar mais simples, mas muito agradável, com muito verde ao redor, e um curso d’água.

De volta para Paris, os jardins de lá também não deixam por menos. Contemplamos as obras de arte ao ar livre no Jardim das Tulherias. As árvores e os espelhos d’água são muito agradáveis. Ali fica o Museé l’Orangerie, onde contemplamos telas enormes de Monet. Lembramos da vez que encomendamos uma reprodução de Monet que por engano veio enorme e nosso apartamento ficou parecendo uma das salas deste museu!

O Marmottan, na verdade, tem muito mais pinturas de Monet. No Musée d’Orsay, subimos para o quinto nível para ver a grande coleção impressionista e pós-impressionista, além de art nouveau. Ali vimos o céu estrelado sobre o Ródano, de Van Gogh. Na França, Van Gogh não morou apenas em Montmartre em Paris, mas também na Provença, e por fim nos arredores de Paris, em Auvers-sur-Oise. Esses lugares até hoje preservam a mesma paisagem presente em seus quadros.

Mas mais atenção à natureza teve Monet. Como se entrássemos em um dos seus quadros, visitamos sua propriedade em Giverny. Esse é um dos lugares favoritos dela na Europa: um jardim numa pequena vila na França. A casa de Monet é rosa, com portas e janelas verdes. Lá dentro, encontramos uma cozinha azul, uma sala de jantar amarela, e um atelier cheio de telas impressionistas. Gostamos tanto do lugar que perdemos o shuttle de volta. Decidimos conhecer a vila e encontramos um restaurante com outro belo jardim onde experimentamos o ratatouille.

Giverny fica às margens do Sena, onde começa a Normandia que o rio percorre até Le Havre, passando por Rouen. Dá para reconhecer muitos lugares daqui nas telas de Monet. Um dos mais bonitos é a Falésia de Aval, na cidade de Étretat. A Normandia é uma região muito bonita. Na divisa com a Bretanha, fica o fantástico Mont Saint-Michel, uma fortaleza que resistiu inclusive aos ingleses na Guerra dos Cem Anos. O contorno hexagonal da França metropolitana tem defesas naturais muito importantes para o país.

O Canal da Mancha mantém distância da Inglaterra, antiga rival. Os Alpes criam uma muralha na fronteira com a Itália e a Suíça. Semelhantemente, na fronteira com a Espanha, ficam os Pirineus, que ajudaram a impedir a invasão dos muçulmanos no século 8 quando já ocupavam toda a península ibérica. O rio Reno ainda delimita boa parte da fronteira com a Alemanha, no território da Alsácia. A única exceção é uma brecha totalmente plana ao norte, um ponto fraco que os alemães usaram para invadir a França na Guerra Franco-Prussiana, na Primeira Guerra Mundial – para a desilusão da Belle Époque – e também na Segunda Guerra Mundial. Churchill chamou a evacuação de Dunkirk de milagre. Mais tarde os aliados desembarcaram nas praias da Normandia no Dia D para libertar a França da Alemanha.

A Alsácia mudou de dono nos três conflitos. Com o fim da Segunda Guerra, acabou ficando com a França. Tivemos a chance de visitar a capital, Estrasburgo, e de fato, ali a Alemanha e a França se misturam. A beleza dos canais floridos da Petite-France é inesquecível. A ilha também está cheia de igrejas por onde reformadores como Calvino passaram, principalmente Martin Bucer, o reformador de Estrasburgo. Foi depois de ouvir Lutero na Disputa de Heidelberg que ele deixou de vez o catolicismo para se tornar uma das pessoas mais importantes da Reforma Protestante.

Paris vai muito além da Disneylândia, e a França vai muito além de Paris. Além da Île-de-France, da Normandia e da Alsácia, a França conta com os Alpes de Chamonix, os campos floridos da Provença, e o céu azul da Riviera Francesa. Também é um país para viagens históricas e inusitadas, de Lascaux às catacumbas de Paris. Um país que gostamos muito de lembrar. Merci infiniment!