Me The Works of Wellyson Freitas

Tchéquia

Não esqueceremos da cidade de Praga tão cedo. É uma das cidades mais belas que já visitamos. Como em Edimburgo, um castelo no topo de uma colina domina a paisagem. Embora não tão fantasiado como o Castelo de Neuschwanstein, esse é o maior castelo do mundo, que inclui a Catedral de São Vito, uma jóia do estilo gótico. Pudemos ver toda a cidade de lá. O Jardim Real ao redor do castelo é muito agradável. Praga tem muitas áreas verdes assim, como o jardim de Waldstein, um dos que mais gostamos. Mas a "aparência de pedra" das ruas de paralelepípedos da cidade não deixa de ser interessante, enriquecidas com estátuas e esculturas, algumas muito estranhas.

No meio da praça central da Cidade Velha, no coração da cidade, encontramos o monumento a Jan Hus, importante pré-reformador. A inscrição "milujte se, pravdy každému přejte" significa "amem uns aos outros, desejem a todos a verdade". Tanto a língua tcheca moderna cheia desses diacríticos quanto a verdade como símbolo nacional, como no lema "a verdade prevalece", têm origem em Hus. Historicamente, a Tchéquia é muito importante para o protestantismo. Existem duas grandes regiões históricas, a Boêmia e a Morávia, além da pequena Silésia. Os Irmãos Morávios foram grandes missionários da história da igreja. Mas é na antiga capital da Boêmia, em Praga, onde Hus passou a pregar a verdade das Escrituras na língua do povo, que deu origem à tradição evangélica dos hussitas.

Hus nasceu no sul da Boêmia, em Husinec, no atual Centrum Mistra Jana Husa. Eventualmente se tornou reitor da Universidade de Praga, onde foi influenciado pelos escritos do pré-reformador John Wycliffe, trazidos da Universidade de Oxford por alunos como Jerônimo de Praga que tiveram acesso à universidade pela relação política com a Inglaterra. Hoje a universidade leva o nome do rei Charles, assim como a ponte mais famosa sobre o Moldava. Sua filha, Anna da Boêmia, foi quem aproximou Oxford de Praga ao se casar com Ricardo II, rei da Inglaterra. Anna era conhecida por sua bondade, tendo até defendido Wycliffe como Rainha da Inglaterra.

Hus era ministro na Capela de Belém. Na fachada da capela, encontramos uma frase formada pela sombra de letreiros: "za pravdu", que significa "pela verdade". Lá dentro, contemplamos pinturas nas paredes, uma delas ilustrando o fim triste que teve Hus ao ser queimado na fogueira após condenação católica no Concílio de Constança de 1415, no sul da atual Alemanha, com a falsa promessa de um salvo-conduto. Subimos para um pequeno museu que faz parte da capela. A história conta que, antes de morrer, Hus cantou um hino, orou, e disse que apesar de estarem cozinhando um ganso ("hus" em tcheco), em cem anos surgiria um cisne a quem não poderiam deter. Mais tarde, Martinho Lutero, cujo nome se traduziria do alemão antigo para "ganso", interpretou a declaração de Hus como seu prenúncio na Reforma de 1517.

Jerônimo teve o mesmo fim que Hus e muitos outros foram perseguidos ao longo da história. Na verdade, a igreja católica travou uma verdadeira guerra contra os hussitas. Até hoje existe no centro da cidade uma cervejaria com a imagem de um carrasco, o executor de muitos protestantes depois que a Liga Católica venceu a Batalha da Montanha Branca, perto de Praga, em 1620. Esse foi só o começo da Guerra dos Trinta Anos. O estopim foi a Segunda Defenestração de Praga em 1618 em uma das janelas que encontramos no castelo. A primeira ocorreu na prefeitura em 1419, no início das Guerras Hussitas. Felizmente, hoje concordamos em formas melhores de lidar com as diferenças religiosas do que jogar os outros pela janela.

Os jesuítas também deram início ao que ficou conhecido como Contrarreforma, uma reação um pouco menos violenta. Com a sua riqueza, que não era pouca, fundaram em Praga o Klementinum, uma extraordinária biblioteca barroca que hoje funciona como museu. Ficamos absolutamente extasiados com a aparência dessa biblioteca. No mesmo complexo, existe uma torre astronômica impressionante. Foi muito interessante conhecer como a astronomia era estudada numa época pré-copernicana em que o geocentrismo ainda era o modelo vigente, endossado inclusive por Lutero e Calvino. Lá do topo, vimos toda a cidade, inclusive a praça central onde fica a torre do relógio astronômico, a torre mais famosa da "cidade das cem torres". O relógio é uma relíquia que sobreviveu ao tempo, preservando inclusive o misticismo e o preconceito da época, com imagens de um judeu e de um turco como as personificações da ganância e da luxúria. O que poderíamos chamar de ciência na Idade Média não estava muito separado do misticismo. Na mesma praça central, uma coluna mariana indicava o meio-dia quando a sombra coincidisse com um meridiano no chão, presentes até hoje.

O Speculum Alchemiae é um museu onde esse misticismo fica muito evidente. Na antiga loja de alquimia, descobriram recentemente, depois de uma enchente, uma parte subterrânea. Era conectado aos túneis da cidade que levavam inclusive para o castelo onde o rei vivia, segundo sabemos bastante interessado nos produtos da loja, que incluía até poção do amor. Fizemos uma visita, que vou dizer, é um tanto quanto macabra. Depois da guia tentar acalmar o grupo sobre coisas estranhas que poderíamos ver por causa desse misticismo todo, uma pequena estátua de uma estante revelou uma passagem lá para baixo. O ambiente é escuro, úmido, e assustador.

O museu fica no bairro dos judeus, o Josefov, onde também fica a bela Sinagoga Espanhola. Essa região foi habitada pela família de Franz Kafka, judeu, que escrevia em alemão, mas também era tcheco, o que parece ser motivo de muito orgulho nacional, já que encontramos muitas referências ao escritor. Na verdade, sua obra é tão mundialmente importante que seu nome foi emprestado até para uma tecnologia usada na minha área. Kafka morou numa ruazinha de pedra dentro do Castelo de Praga conhecida como "Golden Lane" enquanto escrevia o clássico Metamorfose, na casa de número 22. Ele também morou em vários outros lugares da cidade, como na Casa do Minuto, com decoração renascentista.

A arquitetura de Praga é bem diversa, variando de estilos antigos até mais modernos como a Casa Dançante.

Antes de terminar, decidimos comer um "doce elaborado", como ela costuma dizer. Depois de passar vergonha porque não quis trocar mais euros em coroas tchecas — sempre ouça sua mulher —, pudemos finalmente experimentar o tradicional trdelník, bastante comum na Europa central. Ainda deu para encontrarmos um presente para nossa filha. Nossa família estava começando. Sempre lembraremos de Praga, especialmente por causa disso.